Passei esses últimos meses submersa em relatos, devorando qualquer pedaço de narrativa que pudesse me iludir sobre mecanismos de enfrentamento e precaução natural. Prendi-me a fios de esperança frágeis, a maioria travestidos de progressões lineares tão impecáveis que faziam meu estômago revirar de despeito.
Por fim, aceitei (talvez uns cinquenta vídeos tarde demais) que esse processo é intrinsecamente pessoal e intransferível. Reconheci também que não há meios de torná-lo menos angustiante – culpar agentes externos, fingir indiferença, ou até mesmo caçoar dos que levam tudo a sério demais –, you name it, eu tentei.
Ainda não cheguei ao estágio de evitar o assunto, mas o sinto iminente. Arquivo conversas inteiras no celular, me convenço sobre ínfimos percalços, e planejo meus passos de modo a tornar as semanas distrativas, ou minimamente suportáveis.
Não posso dizer que dói, mas assusta. Não que as coisas jamais tenham funcionado dessa forma, mas mal consigo planejar o resto do ano com clareza. Veja bem, eu sei das alternativas, e talvez ainda possa traçar um cronograma no escuro, mas o que eu queria mesmo, de verdade, era não precisar de nenhuma programação. Não era assim que era pra ser?
Ainda assim, me julgo até resiliente nessa batalha diária pela censura do arrependimento. A terapia já me advertiu sobre a linearidade (ou a falta dela) em tantos contextos que, se eu me permitir acreditar por um segundo que seja, todo o esforço seria em vão.
Você já leu a sinopse de um livro e ele parecia tudo o que você precisava naquele momento?
Foi o que senti quando descobri o The Midnight Library na lista de melhor ficção do Goodreads Choice Awards 2020. Veja bem, eu tento fugir de leituras em inglês o máximo possível (parece que não consigo imergir na história da mesma forma), mas a premissa me encantou tanto, que eu não queria esperar pela tradução para saber mais sobre a tal biblioteca mágica.
[Alerta de Gatilho: Suicídio] O livro é sobre Nora Seed, uma mulher com depressão que, arrependida sobre o rumo que sua vida tomou, tenta se suicidar. Enquanto se encontra entre a vida e a morte, Nora visita a Biblioteca da Meia Noite, onde cada livro conta sua história em diferentes cenários, baseados em escolhas que ela poderia ter feito no passado. Ao "entrar" nesses livros, ela é capaz de viver cada uma dessas opções, desfazendo arrependimentos antigos, e até escolhendo uma vida que ela prefira mais que as outras. Ela poderá continuar experimentando cada um desses livros, enquanto ainda mantiver sua vontade de existir.
Com uma sinopse dessas, já é de se esperar que o arrependimento seja o tema central da história de Nora. Ao mergulhar nos primeiros capítulos, é impossível não imaginar como seria nossa biblioteca, quais narrativas encontraríamos e quais escolhas gostaríamos de refazer. O livro bate muito na tecla de nossas decisões erradas serem baseadas em meras suposições, ou seja, jamais saberemos se uma escolha diferente teria saído de fato melhor (ou pior). Para mim, essa ideia foi o grande ponto positivo da história, mas, infelizmente, foi o único.
Nós precisarmos ser apenas uma única pessoa. Nós precisamos sentir apenas uma única existência. Nós não precisamos fazer tudo para sermos tudo, porque já somos infinitos. Enquanto estivermos vivos, sempre teremos um futuro de inúmeras possibilidades.
Confesso que, em determinado momento, eu já estava um tanto cansada das vidas de Nora. Por mais que as profissões, residências e até interesses românticos mudassem, as histórias acabavam ficando bem repetitivas. Não é possível se apegar aos diferentes cenários, porque eles são explorados de forma bem superficial, e, lá pela terceira tentativa, já entendemos há muito onde o autor quer chegar.
Talvez eu tenha elevado demais minhas expectativas por causa do prêmio do Goodreads, mas achei também que o livro pouco acrescentou ao debate sobre saúde mental e suicídio.
Aliás, achei quase impossível não comparar a história com "It's a wonderful life"; através de poderes mágicos podemos ver a vida por outra perspectiva e puff, resolvido, a depressão foi embora. Nora não faz uso de ajuda profissional, remédios ou terapia para tratar sua depressão (mesmo o autor fazendo um malabarismo básico nesse tweet para dizer que Nora "de certa forma" fez terapia). Pelo contrário, a mensagem que fica é a de que basta olhar pelo lado positivo e pronto (urgh).
Não foram poucas as vezes que tive a impressão de estar lendo uma obra de auto-ajuda, travestida de ficção apenas para dar a liga em frases de efeito motivacionais.
Eu resumiria a moral do livro por aquela máxima de que, ao apagarmos nossos erros, apagamos também nossos acertos, pois não seremos mais quem nos tornamos. E, apesar de ser uma lição válida, senti que o livro a expôs de forma exageradamente didática e previsível, beirando quase o infantil.
Eu queria muito ter gostado desse livro. De verdade. Porém, por mais que a ideia da biblioteca fosse interessante, a execução deixou a desejar. Não apenas os ensinamentos de Nora se tornam mais e mais clichês a cada nova vida, mas o livro também não faz jus aos assuntos delicados que se propõe a abordar.
No mais, se você se interessa pela ideia de reviver arrependimentos passados, queria deixar uma recomendação de uma das minhas séries favoritas da vida, Being Erica. Na série, Erica também tem a chance de refazer escolhas passadas por poderes mágicos (não em uma biblioteca, mas na terapia, olha que acessível), porém os aprendizados, e até mesmo as frases de efeito, são apresentados de forma bem menos óbvia ou negligente.
The Midnight Library, Matt Haig ★★☆☆☆
Ps: Terminei a leitura de The Midnight Library em Junho/21. A tradução foi lançada pela Editora Bertrand em Setembro/21 e pode ser encontrada aqui.
Foi em clima de ano novo que resolvi mudar o layout do blog mais uma vez.
É pra ver se dá um gás, sabe? Pra ver se eu retomo aquela energia que eu costumava ter com projetinhos pessoais, quando o mundo "dos adultos", do corona e do caos mundial não me engolia por inteiro.
(Queria abrir um parêntese aqui que, olha, antes fosse só o blog. Ultimamente parece que tudo na vida anda meio pausado. Estamos vivendo nessa interminável sala de espera, onde até as mudanças mais drásticas parecem mais do mesmo.)
Eu também senti que, cada vez que levava o layout para um lado mais "formal" - carousel, posts cortadinhos, sidebar cheia de widgets -, menos eu tinha vontade de escrever. Porque não dava para publicar um post como esse, caótico e desestruturado, num layout todo moderno e aesthetic do etsy.
Até pensei em desistir. Ah, se pensei. Precisei sentar, reler, abrir janela, fechar janela, cavucar a mente em um questionamento incessante sobre esse espaço ser algo que eu realmente gosto de fazer, ou apenas mais uma cobrança sem sentido da minha cabeça.
E, para ser sincera, ainda não sei dizer. Talvez seja mesmo mais uma manifestacão dessa pressão auto imposta, uma obrigação invisível que mais sobrecarrega e pouco satisfaz. Porém, nesse momento, eu também sei que ainda não estou pronta para desistir. Em um ano em que as redes atingiram o pico da toxicidade, acho que preciso de uma morada só minha, formatada do meu jeito, para falar sobre o que eu tiver vontade, sem filtros pré configurados ou limite de 280 caracteres.
Acho importante mencionar que eu sempre tive muita dificuldade com a escrita. Ainda lembro bem daquele sentimento de pânico quando a professora de redação pedia para arrancarmos uma folha do caderno. Olhar para os lados e enxergar rostos compenetrados, papéis preenchidos enquanto minha folha permanecia em branco, era uma cena tão frequente e traumatizante que acho que ainda revivo a sensação a cada vez que abro o editor para começar um novo post.
Aliás, a ironia de ter escolhido minha profissão pensando no alívio de nunca mais ter uma aula de português ou ser obrigada a escrever uma dissertaçãozinha sequer, até descobrir que, bem, tudo é escrita. Desde a apresentação sobre o modelo mais preciso, até o email informando as conclusões do experimento, quem sabe estruturar frases vai longe também em Exatas, e quanto mais eu encontrar formas de treinar essa habilidade, melhor para mim. Em todos os campos.
Mesmo eu não gostando de resoluções, fica aqui meu desejo para 2022; ter mais ânimo para visitar esse espaço, nem que para publicar um único parágrafo ou uma tag bobinha. Que aqui possa ser uma expressão do que resta do lado criativo do meu cérebro, minha fuga particular do mundo da lógica no qual me afogo em dias úteis.