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Ainda não é a cartinha de Hogwarts, mas.

Março foi um mês bom e ruim. Ruim, porque passei boa parte do mês cabisbaixa ao ver um total de zero dos meus esforços rendendo resultados. Bom, porque, em face da estagnação, acabei por seguir a maior filosofia que a humanidade respeita: Hakuna Matata.

Só que eu não fugi para uma savana na África, mas sim para o Hawaii, que, convenhamos, é quase tão lindo e ensolarado quanto. Não que seja um costume me esconder das preocupações (ainda mais para me concentrar em sol, mar, hula e dedinhos na areia). Só que eu cheguei ao meu limite de ansiedade quando meu cérebro, na sua melhor atuação de sabotador da vida, finalmente me convenceu que toda aquela demora só poderia culminar em uma cartinha oficial de rejeição.

dos seus problemas, você deve esquecer
Uma coisa que eu sempre tive em mente, desde que cheguei no hemisfério norte, é que 1, eu não queria ser uma stay-at-home-mom (nem mesmo na versão child-free). E, 2, eu queria ser capaz de aplicar para bons empregos e competir por eles de igual para igual com os nativos, sem jamais me sentir inferior ou subjugada por ser de outra nacionalidade.

Eu sei que existem muitas outras alternativas, ainda mais na América. Só que eu cresci muito com essa resposta "acadêmica" enraizada, para qualquer questão do universo e tudo mais. Estudar é o meu tipo de atividade, o que me sinto bem fazendo, e, há quem diga, meu espaço seguro. No mais, a ideia do Mestrado já não era tão distante assim. Antes eu estava me preparando para fazê-lo no Brasil mesmo, e agora, parecia não haver qualquer motivo para deixar de seguir com o plano.

Na última sexta-feira chuvosa, acordei um pouquinho tarde para os meus parâmetros. Eu sou insone, veja bem, e dormir mais de 5h por dia sempre foi uma grande conquista. Só até aí, o dia já parecia bom demais para ser verdade e eu não me daria ao luxo de esperar nada além disso.

Levantei e, enquanto aguardava o susto habitual com a torradeira, fui xeretar meu e-mail. Esse foi um costume que não consegui perder no Hawaii; checar meu email de hora em hora ainda era minha dose homeopática de fracasso diário. Só que, finalmente, naquela sexta-feira tudo mudou. Era o fim da espera, o título me encarava: "MS decision".

Como que para testar minha situação cardíaca, além das minhas habilidades com o gerenciador de arquivos no celular, a decisão seguia anexa em um pdf. Pouco ansiosa, sai clicando em tudo, troquei de tela, sumi com o arquivo e, depois de quase jogar o aparelho janela afora, sem qualquer glamour das cartinhas que vemos nos filmes, foi possível ler: Admissions Packet 2017.


Naquele mesmo dia à noite, recebi o e-mail de aceitação da segunda universidade. Não teve o mesmo impacto da primeira, é verdade, mas teve um baque de realidade ainda maior. Como eu sou um serumaninho padrão e nada-nunca-está-bom, acabei por entrar na famigerada fase do medo e incertezas. Para onde devo ir? Praia ou montanha? Leste ou oeste? Centro ou Norte? Largar tudo e vender brigadeiro? Não há listas de pro/con suficientes para dar conta.

Harry Potter como guardião das admission letters
Como eu ainda não me decidi, esse post vai terminar assim mesmo, no pior cliffhanger desde qualquer episódio de The Walking Dead (que temporadazinha ruim, aliás).
Ficaremos no aguardo das cenas dos próximos capítulos.

Do mínimo ao ideal

Tive meu primeiro contato com o Minimalismo assistindo a uma palestra no TEDtalk, lá para o finalzinho de 2013. Muita coisa mudou em mim naquele ano (mais ou menos resumido nesse post), e uma delas foi começar a prestar mais atenção na minha convivência com os objetos amontoados em casa.

Até então, eu ainda fazia parte daquele mundo mágico onde abarrotar o armário de fast fashion e maquiagens nunca usadas definiam a fórmula da felicidade. No entanto, apesar de alguns objetos de fato me trazerem alegria, estava claro que eu mantinha a maioria (especialmente aqueles adquiridos na febre pós primeiro emprego meu-deus-agora-eu-tenho-um-salário-e-posso-gastar-vários-dinheiros!!11!!) apenas por uma ilusão de realização pessoal.

Foi no processo chamado decluthering (ou destralhamento) que eu encontrei uma forma de reduzir dolorosamente boa parte das minhas tralhas. Claro que a mudança de casa – e o encolhimento significativo do meu quarto – criou uma obrigação real de desapego, porém, naquele verão de 2014, eu pude finalmente entender o quanto acumular objetos já não me completava, sequer indicava o que eu havia conquistado na vida até então.

Dia desses, assistindo ao documentário dos Minimalistas no Netflix, me peguei refletindo sobre o que a filosofia representou na minha vida nesses últimos três anos. Achei que seria até justo eu dizer que "abandonei" o minimalismo, mas, na verdade, ele tem consequências diretas na minha vida até hoje. Seja dando uma volta no shopping ou faxinando a casa, toda aquela ideia da praticidade, do essencial e do acúmulo consciente ficou internalizada em mim, e acabou virando hábito, assim, sem eu precisar me policiar para isso. No fim, acredito que o que eu larguei mesmo foi aquele Minimalismo idealizado e caga-regra, que a internet insiste em se focar.

Tudo bem, mesmo lá no começo eu nunca consegui aderir à maioria dos projetos relacionados ao Minimalismo. Boa parte deles – Projeto 333, armário cápsula100 things challenge, etc – envolvem receitinhas quantitativas que, para mim, jamais funcionariam (e olha que sou de Exatas!). Fazer inventário de roupas, impor limite numérico para compras, se esforçar para espremer toda a sua vida numa mochila, tudo isso pode até ajudar com a disciplina, mas, por fim, acabam mesmo me causando mais ansiedade que satisfação.

Toda a maquiagem que possuo hoje em dia. Existe algum projetinho com o número cabalístico 10?
Além disso, existe uma visão romantizada que coloca o minimalista como aquele que vai pedir demissão do trabalho e sair mochilando pelo mundo, muitas vezes sem um centavo no bolso. Reconheço que pode até render os melhores blogs, mas acho plausível afirmar que nem todo mundo seria feliz na experiência. Contrariando Elle Lune, em Eu sou as Escolhas que faço, o caminho da segurança nem sempre é apenas o caminho que os outros querem para você. Eu gosto de segurança. Eu preciso de segurança. Almejar um trabalho fixo, dinheiro para viagens com passagens de volta, poder cuidar dos pais quando eles envelhecerem, nada disso é condenável. Somos todos pequenos experimentos da pirâmide de Maslow e, só porque decidi viver com o meu menos, não significa que tenha de me forçar a viver com o mínimo alheio.

Aliás, essa imposição do desapego desenfreado, onde todo e qualquer objeto espalhado pela casa passa a ser visto como inimigo, acaba sendo tão pouco produtiva quando a própria obsessão pelo consumo. Por exemplo, Emilie Wapnick explica que algumas pessoas simplesmente não possuem uma vocação. E esse tipo de indivíduo – eu, oi – acaba por pular de um hobbie a outro, voltando às origens ou criando novos, de acordo com seu processo criativo individual. Coisa de amar estudar música por anos, largar de repente para se dedicar à fotografia, para, dali a uns meses, encostar a câmera enquanto volta para a guitarra. Por essa razão, desapegar de todo e qualquer objeto que esteja "ocupando espaço" na casa não necessariamente é a resposta para todo mundo. Nem sempre esses objetos sem uso no momento estão em excesso; eles podem ser, na verdade, ferramentas que possibilitam exercer paixões esporádicas. E tudo bem não se livrar deles.

É claro que o Minimalismo pode ser encaixado em todas essas situações sem deixar de ser, bem, Minimalismo. Como quase toda ideia jogada na internet; o conceito é genial, o fandom é que estraga. Ao contrário do que muita gente passou a pregar por aí, ele não é, ou não deveria ser, uma seita carregada de mandamentos sobre como manter um guarda-roupa com 47 ½ peças em preto e branco. E eu nem acredito que ele tenha sido pensado inicialmente dessa forma, muito menos é o que os Minimalistas pregam. Só que, infelizmente, a polícia da vida alheia chega ao ponto de fazer com que praticantes evitem o assunto, para não aterrá-lo em exigências extremistas.

O que eu aprendi com o Minimalismo afinal?

Dado que não posso (e não tenho qualquer ambição em) ter tudo, o Minimalismo me ensinou a priorizar o que é de fato importante para a minha vida. Veja bem, prioridades, não privações. Eu mencionei o quanto foi doloroso passar pelo destralhe inicial e, hoje em dia, eu percebo que não precisaria ser. A ideia não é se focar no quanto você possui, mas sim por que você possui. Não há nada de errado em manter sua coleção de livros ou cartas antigas, que te trazem uma sensação de conforto quando relidos. Manter lembranças e outros objetos significativos não vai te fazer menos minimalista que o cara que visitou 60 países com todos os seus bens em uma mochila. A ideia vai muito além disso. Nas palavras de Joshua Millburn: “ame pessoas e use objetos, porque o contrário nunca funciona”.

Ao longo desses três anos, fui jogando fora as receitinhas de internet e me concentrei em viver melhor, com cada vez menos apego material. Aliás, acho que essa liberdade foi a melhor coisa que o Minimalismo me trouxe; aprendi a viver com mais equilíbrio e menos restrições. Isso significou não só uma economia financeira, como acabei apreciando mais bem cada objeto que eu possuo (sem excessos, consigo usá-los muito mais vezes). Obviamente eu não deixei de querer coisas, mas passei a questionar muito mais a utilidade antes de comprá-las.

Por que eu mantinha mais de 30 esmaltes, já que sempre acabava escolhendo o preto, o vermelho ou o azul?
Hoje eu enxergo o Minimalismo como uma forma de não deixar que os bens materiais orientem minha vida, ou preencham algum vazio que deveria ser trabalhado em sentimentos, experiências, pessoas ou relações não substituíveis. E saber atribuir a cada bem material o valor que ele possui nada tem a ver com vestir-se em preto e branco, ou contar quantos batons você tem. Na verdade, é uma ferramenta para preencher seu espaço com o essencial e suas possibilidades, estimulando ainda mais sua veia criativa. Possibilidades, aliás, que dificilmente caberiam em apenas uma mochila.

Resenha: A única certeza da vida é que um dia você vai morrer

Comprei esse livro por impulso, num dia que tudo parecia dar errado. O título vinha a calhar; um misto de pessimismo com verdade universal assim, jogada logo de cara. Mas, se minha intenção era arrumar algum motivo fúnebre para odiar ainda mais o mundo, "A única certeza da vida é que um dia você vai morrer" (David Shields) falhou miseravelmente.
Veja bem, ele é sim um livro sobre a morte. Mas talvez aceitá-la seja, na verdade, uma celebração da vida.

fui obrigada a recorrer a um mockup por ter deixado o livro no Brasil. em tempo: ele não tem capa dura
A única certeza da vida é que um dia você vai morrer é um livro muito pessoal, no qual o autor escreveu sobre seu pai. É basicamente isso. O pai dele tem 97 anos e, impressionado com a vivacidade do senhorzinho, David Shields escreveu um livro sobre nascimento, morte e tudo aquilo que acontece entre esses dois eventos.

Com uma escrita bem humorada (e, às vezes, até sarcástica), o autor divide os capítulos conforme as etapas da vida são divididas de fato, isto é; nascimento, infância, adolescência, fase adulta, velhice e morte. Além de dados biológicos e pesquisas quantitativas relacionadas ao desenvolvimento do corpo - a parte mais dolorosa da leitura, se você também já passou dos 30 -, o livro faz uma síntese de pensamentos de filósofos, escritores e outras personalidades, amarrando cada frase num contexto geral de fragilidade humana.

É uma batalha incansável entre o questionamento da juventude e a negação do envelhecimento. David passa a impressão de tentar a todo momento aceitar a mortalidade do pai - e a sua própria -, mas, ao mesmo tempo, tornar ambos imortais. Afinal, as dores nas costas, a pressão alta, os cabelos brancos, todos os indícios de que o corpo se deteriora estão lá, mas, por alguma razão, seu pai permanece firme e forte, caminhando por 3 km à biblioteca até os 95 anos.
"O berço balança sobre um abismo, e o bom-senso diz que nossa vida não passa de uma breve faísca entre duas trevas eternas" - Vladimir Nabokov

Apesar de ainda estar na fase adulta (no capítulo da vida real), e não saber exatamente o que me espera - se sequer chegarei à idade do pai de David, ou sequer terei a mesma vivacidade -, posso dizer que cada passagem trouxe uma espécie de conforto inquietante. Um dos meus capítulos favoritos, por exemplo, faz um apanhado de frases ditas por famosos antes de morrer. Sim, soa dramático, ácido, mórbido. E, de fato, a impotência diante dos últimos minutos de vida é ultrajante, mas ser capaz de resumir toda nossa existência em um último sopro conexo de sílabas, por vezes até cômico-trágico ("O papel de parede e eu estamos lutando uma batalha de morte. Um de nós tem que sair daqui" - Oscar Wilde, ao morrer num hotel cafona de Paris), nos coloca no controle novamente.

mais mockup porque sim.
A narrativa se baseia na história pessoal de David e seu pai, mas ela é sobre mim, sobre você, sobre os nossos 99,9% de genes idênticos a todos os outros 7 bilhões de seres humanos. Nosso corpo pode ser único em inúmeros aspectos, mas nossas dores são compartilhadas. Estamos todos envelhecendo.

É de se esperar que o livro caminhe para a morte, mas "A única certeza da vida é que um dia você vai morrer" deixa a reflexão do que exatamente estamos fazendo com a nossa jornada até lá. Eu não posso garantir que o final seja aceitável ou plausível. No entanto, também não posso fazer essa afirmação sobre o capítulo final da minha própria vida. Se terminar sem muita graça, se deixar de explicar alguns mistérios, se for interrompida em uma meia frase, mesmo assim, já terá valido a pena.

créditos do mockup: artem yakimchuk