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Resenha: A única certeza da vida é que um dia você vai morrer

Comprei esse livro por impulso, num dia que tudo parecia dar errado. O título vinha a calhar; um misto de pessimismo com verdade universal assim, jogada logo de cara. Mas, se minha intenção era arrumar algum motivo fúnebre para odiar ainda mais o mundo, "A única certeza da vida é que um dia você vai morrer" (David Shields) falhou miseravelmente.
Veja bem, ele é sim um livro sobre a morte. Mas talvez aceitá-la seja, na verdade, uma celebração da vida.

fui obrigada a recorrer a um mockup por ter deixado o livro no Brasil. em tempo: ele não tem capa dura
A única certeza da vida é que um dia você vai morrer é um livro muito pessoal, no qual o autor escreveu sobre seu pai. É basicamente isso. O pai dele tem 97 anos e, impressionado com a vivacidade do senhorzinho, David Shields escreveu um livro sobre nascimento, morte e tudo aquilo que acontece entre esses dois eventos.

Com uma escrita bem humorada (e, às vezes, até sarcástica), o autor divide os capítulos conforme as etapas da vida são divididas de fato, isto é; nascimento, infância, adolescência, fase adulta, velhice e morte. Além de dados biológicos e pesquisas quantitativas relacionadas ao desenvolvimento do corpo - a parte mais dolorosa da leitura, se você também já passou dos 30 -, o livro faz uma síntese de pensamentos de filósofos, escritores e outras personalidades, amarrando cada frase num contexto geral de fragilidade humana.

É uma batalha incansável entre o questionamento da juventude e a negação do envelhecimento. David passa a impressão de tentar a todo momento aceitar a mortalidade do pai - e a sua própria -, mas, ao mesmo tempo, tornar ambos imortais. Afinal, as dores nas costas, a pressão alta, os cabelos brancos, todos os indícios de que o corpo se deteriora estão lá, mas, por alguma razão, seu pai permanece firme e forte, caminhando por 3 km à biblioteca até os 95 anos.
"O berço balança sobre um abismo, e o bom-senso diz que nossa vida não passa de uma breve faísca entre duas trevas eternas" - Vladimir Nabokov

Apesar de ainda estar na fase adulta (no capítulo da vida real), e não saber exatamente o que me espera - se sequer chegarei à idade do pai de David, ou sequer terei a mesma vivacidade -, posso dizer que cada passagem trouxe uma espécie de conforto inquietante. Um dos meus capítulos favoritos, por exemplo, faz um apanhado de frases ditas por famosos antes de morrer. Sim, soa dramático, ácido, mórbido. E, de fato, a impotência diante dos últimos minutos de vida é ultrajante, mas ser capaz de resumir toda nossa existência em um último sopro conexo de sílabas, por vezes até cômico-trágico ("O papel de parede e eu estamos lutando uma batalha de morte. Um de nós tem que sair daqui" - Oscar Wilde, ao morrer num hotel cafona de Paris), nos coloca no controle novamente.

mais mockup porque sim.
A narrativa se baseia na história pessoal de David e seu pai, mas ela é sobre mim, sobre você, sobre os nossos 99,9% de genes idênticos a todos os outros 7 bilhões de seres humanos. Nosso corpo pode ser único em inúmeros aspectos, mas nossas dores são compartilhadas. Estamos todos envelhecendo.

É de se esperar que o livro caminhe para a morte, mas "A única certeza da vida é que um dia você vai morrer" deixa a reflexão do que exatamente estamos fazendo com a nossa jornada até lá. Eu não posso garantir que o final seja aceitável ou plausível. No entanto, também não posso fazer essa afirmação sobre o capítulo final da minha própria vida. Se terminar sem muita graça, se deixar de explicar alguns mistérios, se for interrompida em uma meia frase, mesmo assim, já terá valido a pena.

créditos do mockup: artem yakimchuk