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Dos desapegos

Essa semana comecei a ler o "Não se apega, não" da Isabela Freitas e, assim como sugere a proposta geral do livro, passei um tempão refletindo sobre relacionamentos.

Para falar a verdade, até agora eu ainda não me encontrei na história. Sim, admirei muitas sacadas (como a dos três homens mais importantes na vida de qualquer garota e as "20 regras do desapego"), mas, no geral, estou achando o livro bem... hm, bobinho.

Eu sei, é declaradamente um Young Adult e a expectativa é que a narrativa seja mais leve mesmo, mas minha última leitura y-a, de uma maturidade estarrecedora aliás, havia sido "Extraordinário" (R.J.Palacio). Esse livro é contado, vejam só, na perspectiva de um garotinho de apenas 10 anos de idade, ou seja, não é porque o protagonista é mais novo, que o livro precisa ser infantil.
"Não se apega, não" é narrado por uma mulher um tanto mais velha que August Pullman, mas os 22 anos da protagonista equivalem a uns 15 na vida real. Isabela, a personagem, tem sim um ou outro conselho genial sobre relacionamentos (e essas partes acabam valendo o livro todo, ufa), mas, de uma forma geral, é excessivamente imatura para a idade dela, do tipo de personagem que você já espera, sei lá, uma briga homérica com o pai sobre o intercâmbio na Europa, com uma batida de porta e choros no travesseiro em seguida porque sim, a vida dela é muito dura. Além do mais, vem me incomodado bastante como Isabela perde tanto tempo com auto promoções (até o momento, já foram três descrições sobre o próprio cabelo. Ok, meio que já entendemos como é a característica capilar da personagem, obrigada) e também com as inúmeras vezes que ela se contradiz (como quando diz que se iludiu ao achar que podia "transformar" o cara, mas que tem orgulho em dizer que mudou a vida do indivíduo. Ué?). Mesmo sem ter acabado a leitura, arrisco a dizer que o livro deveria ter sido escrito em forma de "auto ajuda" e não de narrativa, já que a segunda parte acaba desacreditando um pouquinho a genialidade da primeira.

Tudo bem, talvez eu tenha um problema pessoal com a proposta do livro, já que não julgo a maioria das pessoas sábias o bastante para aplicar a tal "lei do desapego" com algum senso discriminativo. Aliás, deixa eu adiantar que entendi a definição da autora, "o desapego é saber se desprender de tudo aquilo que te retém, faz mal e sufoca", e não é como se eu discordasse. Só acho que estamos vivendo em uma era de conceitos inteligentes aplicados de forma ignorante, e que isso faz com que, por exemplo, muita gente entre de cabeça em um relacionamento, mas continue procurando algo melhor na próxima esquina. "Carpe diem", "sua felicidade acima dos outros", "aprenda a se colocar em primeiro lugar" são coisas que ouvimos todos os dias, e parecem (muitas vezes, até são) formidáveis, mas podem se tornar perigosas a longo prazo. Num mundo onde trocamos celulares perfeitamente funcionais por modelos de última linha, e onde Grazi Massafera é substituída sem cerimônias, vejam bem, é como se estivéssemos vivendo a obsolescência programada em todos os campos das nossas vidas. Não está bom? Joga fora. Assim mesmo, sem qualquer cerimônia.

Em tempo, a protagonista tentou explicar algumas vezes o fim do relacionamento se valendo desses conceitos acima, mas achei engraçado como a parte da conversa, da cumplicidade e do companheirismo, de tentar arrumar o que não está bom, foram deixadas de fora da narrativa. Na verdade, tem uma única frase que mostra a protagonista aplicando demonstrações de afeto que ela mesma julgou necessárias, e ordenando pedindo que seu jeito de ser seja aceito praticamente sem mudanças, sem acordos e sem ressalvas. Pois é, vindo da mesma personagem que nutre esperanças de mudar ao menos uns dois cavalheiros só até a página 32. A impressão que fica é aquela que ela mesma compara: "Cansei da cor desse cabelo". É o esperado para os dias atuais. Não serve mais? Lixo. Consertar dá trabalho, fora de cogitação, "minha felicidade primeiro". Sabem? Acho que é por isso que eu ando achando tão comum ver gente legal solteira ou insatisfeitos namorando por aí; provavelmente o próximo gadget foi lançado na praça, e carpedienianos mal podem esperar para trocar, mesmo o antigo não estando quebrado.

Prezada Kari,

Esse post faz parte de uma blogagem coletiva do Rotaroots. A ideia original de escrever uma carta para si mesmo 10 anos atrás é do Hypeness.
Eu sei, você não fala com estranhos. Aliás, você mal fala com não-estranhos se bem me lembro, mas eu te conheço, Kari, conheço o suficiente para saber que toda a roupa preta, a pose, o lápis de olho carregado e o cabelo escuro na altura da cintura são apenas uma proteção. Sei que finalmente entrou na USP, que está mais do que feliz por isso, mas que também sente muito medo. Sei que perde noites de sono projetando o que será de você daqui a alguns anos e, apesar da sua rebeldia natural em rejeitar conselhos até de você mesma, preciso te dizer o que levei muito para aprender: não perca tempo projetando. Entendo que estremece só de pensar em não atingir todos os seus objetivos, mas, Kari, seus sonhos ainda vão mudar tanto, que você mal vai ser capaz de contabilizar quais estarão satisfeitos ao final de uma década. A melhor parte? Isso pouco vai importar.

Você quer mais detalhes. Ok, como vou colocar isso? Bem, você provavelmente está nesse momento esperando o ônibus para a faculdade, sonhando em se formar logo e ir trabalhar em algum Banco ou coisa assim. Sabe, Kari, isso vai soar um tanto bombástico, mas posso te adiantar que o mundo corporativo não é para você. Eu sei, você acha uma lindeza todos aqueles prédios espelhados, a Berrini e a Faria Lima, uma explosão de saltos, crachás e camisas sociais, sei também que, nos seus momentos mais ambiciosos, sonha em chegar a uma diretoria e, segundo você mesma, "ganhar muito dinheiro". Mas, Kari, olha, não falta muito para você descobrir que as empresas pagam profissionais da sua área muito bem mesmo, mas certamente não tanto quanto seu tempo vale. Pois é, parece difícil de acreditar, mas logo logo você vai perceber que o tempo que você tem para você mesma, suas atividades favoritas e as pessoas que você ama são muito mais valiosos do que qualquer corporação no mundo está disposta a pagar. A parte mais incrível? Aos poucos você vai começar a se imaginar enfiada em uma roupa social o dia todo e não vai mais achar isso tão legal assim.


Calma, não se desespere, você não vai ficar "desasonhada"! Lembra do seu livro favorito quando criança? Do jogo que você mais amava (spoiler: AMA) jogar? Do, deus-que-me-perdoe-esse-seu-passado-negro-menina, cosplay que deu tanto trabalho para fazer? Pois é, quem diria, mas a sua infância é que vai te ajudar a descobrir de fato a profissão dos seus sonhos. E, olha, você vai batalhar muito por ela. Não fique brava comigo agora, mas eu ainda não saberia dizer se vai conseguir ou não. Só posso te adiantar que vai ser uma das coisas mais difíceis que você já fez, e que a senhorita já pode ficar bem orgulhosa, viu, poucas vezes a vi se dedicando tanto para algo. Não se preocupe em "desperdiçar" seu tempo estudando tanto; o seu diploma faz parte do caminho, provavelmente a parte mais importante, e você vai sentir um orgulho imenso quando finalmente o tiver nas mãos. Ah, você vai chorar. Assim como previu, vai se debulhar em lágrimas no dia que finalmente vestir aquela beca. Vai ser lindo e todos que você ama estarão lá com você. Ok, você ainda vai reclamar muito dos professores, das aulas em período integral, de perder feriados e finais de semana inteiros na faculdade, dos trabalhos de conclusão de curso (isso mesmo, no plural), mas, logo depois, vai sentir uma saudade imensa de toda aquela época, do Instituto, da salinha do CEA e de todas as pessoas que teve o prazer de conhecer.

Ah, Kari, você vai se decepcionar com tanta gente... Mas te garanto que, para cada uma delas, você vai conhecer ao menos umas três que valem a pena. Suas amizades vão mudar drasticamente, muitos "amigos" vão passar apenas para te ensinar uma ou outra lição e logo partir, mas preste bem atenção nos que ficarem. Aquela mocinha do Rio de Janeiro que gosta da mesma banda que você, aquele filho-da-melhor-amiga-da-sua-mãe que tem um videogame super legal, e também, juro, aquele outro que derrubou café em você "sem querer" (você vai jogar isso na cara dele por muitos anos) são pessoas para se guardar para sempre, pois vão passar alguns anos provando que estão lá para todos os momentos que você precisar. Ah! Não sinta mágoas pelos que forem embora, é assim mesmo, viu? Parafraseando um filme que você ainda nem sabe que adora; a vida aconteceu.


Sei que você acha que vai se casar e viver feliz para sempre com o menino que gosta, mas, acredite, isso também vai passar. Você finalmente vai deixar de confiar tanto nas pessoas, vai perder um pouco do otimismo desenfreado quando o assunto é relacionamento, mas olha, tudo bem ser mais cuidadosa, tá? Você vai ficar cada vez melhor em distinguir quais pessoas valem a pena e quais você deve responder com um adeus logo o primeiro oi. Isso também é amadurecer. Alguns caras vão te machucar para valer e você vai passar um longo período para se recuperar, porém, eu prometo, o rancor vai ficando para trás e você vai acabar desejando que todos sejam muito felizes. De preferência bem longe de você.

Não seja tão dura com a sua vó e sua mãe. Elas podem não ter ideia do que estão fazendo muitas vezes, mas sempre (guarde isso: sempre) querem o seu bem. Correndo o risco de parecer bem clichê por aqui; não há amor maior que o da sua mãe e você só vai aprender isso bem mais tarde. Na sua idade é comum acharmos que tudo vai mudar em 10 anos, mas muita coisa ainda vai continuar a mesma. E, querida, isso vai ser tão bom. Sua casa ainda vai ser o lugar mais aconchegante, a comida da sua vó a mais saborosa, passar uma tarde chuvosa debaixo das cobertas lendo algum livro emocionante ainda vai ser seu passatempo favorito.

Algumas coisas vão mudar sim, muitas para melhor e outras para pior. Você não faz ideia ainda, mas vai enfrentar batalhas muito mais árduas do que as que já enfrentou. Não se assuste, Kari, você é corajosa. Pode ser que não vença todas, mas vai saber se levantar todas as vezes e tentar de novo. Vai lá, corre, pega aquele seu diário que você escreve sempre, anota uma frase e pensa nela todos os dias, até chegarmos onde chegamos e deixa que eu carrego ela daqui para frente: se fosse fácil, Kari querida, não seria para você.